Em menos de seis meses, oito pessoas, incluindo sete membros da mesma família, morreram após ingerirem alimentos contaminados com terbufós, um pesticida altamente tóxico e de venda controlada no Brasil. As investigações revelaram um plano cruel e premeditado, influenciado por ideais nazistas, e culminaram na prisão de Maria dos Aflitos Silva e Francisco de Assis Pereira da Costa.
AS PRIMEIRAS MORTES
O primeiro caso ocorreu em 22 de agosto de 2024, quando João Miguel Silva, 7 anos, e Ulisses Gabriel Silva, 8, passaram mal. Os meninos, netos de Maria dos Aflitos, foram hospitalizados em Teresina e morreram semanas depois: João Miguel em 12 de setembro e Ulisses Gabriel em 10 de novembro.
Inicialmente, Francisco de Assis apontou Lucélia Maria da Conceição, vizinha da família, como responsável pelos envenenamentos. Ele entregou à polícia uma sacola de cajus supostamente doados por Lucélia e envenenados. Maria dos Aflitos chegou a registrar um boletim de ocorrência contra a vizinha, reforçando a acusação.
Durante a investigação, a polícia encontrou terbufós na casa de Lucélia e um gato morto na frente da residência, também envenenado com a substância. Lucélia alegou que usava o pesticida para matar morcegos, mas diante das evidências, foi presa preventivamente.
O ALMOÇO NO ANO NOVO
Uma nova sequência de mortes mudou os rumos da investigação. Em 1º de janeiro de 2025, nove membros da família passaram mal após almoçar baião de dois. Cinco morreram nos dias seguintes:
• Manoel Leandro da Silva, 18 anos
• Igno Davi da Silva, 1 ano e 8 meses
• Maria Lauane da Silva, 3 anos
• Francisca Maria da Silva, 32 anos
• Maria Gabriela da Silva, 4 anos
Dessa vez, Maria dos Aflitos e Francisco de Assis alegaram que o alimento contaminado seriam manjubas (peixes) doadas por terceiros, mas exames toxicológicos comprovaram que o veneno foi adicionado ao baião de dois na madrugada de 1º de janeiro, quando apenas os dois estavam acordados.
A perícia demonstrou que o terbufós foi colocado na panela onde o arroz foi originalmente preparado e armazenado. Francisco ordenou que a comida fosse requentada no dia seguinte e servida à família. Maria dos Aflitos afirmou que não comeu e Francisco apresentou sintomas apenas horas depois, o que indicaria contaminação dérmica, não ingestão.
A ÚLTIMA VÍTIMA
Em 22 de janeiro, Maria Jocilene da Silva, 41 anos, vizinha e amante de Maria dos Aflitos, morreu após ingerir café na casa da suspeita. Jocilene havia sido a única a cuidar dos netos de Maria no hospital e chegou a denunciar a negligência da avó.
Maria dos Aflitos tentou justificar a morte afirmando que a vítima sofrera um infarto, mas a perícia encontrou traços de terbufós na taça de vidro que ela usou para tomar café e água. Diferente dos demais, que usaram copos plásticos, Jocilene foi servida em uma taça que Maria lavou antes da chegada da polícia.
A morte da vizinha fortaleceu as suspeitas contra Maria, levando à sua prisão em 31 de janeiro.
CONFISSÃO E MOTIVAÇÕES
Após ser presa, Maria dos Aflitos confessou o assassinato de Jocilene, alegando que esperava libertar Francisco de Assis, assim como aconteceu com Lucélia. “O que houve é que eu tava cega de amor pelo Assis, e pra ter ele de volta, poderia acontecer o mesmo caso”, disse em depoimento.
Ela afirmou que Francisco de Assis premeditou os primeiros envenenamentos, desprezava seus filhos e netos e utilizou o caso dos cajus como álibi. Segundo Maria, o veneno foi adicionado ao suco das crianças e ao arroz na madrugada de Ano Novo. Sobre a morte de Jocilene, ela disse que encontrou o pesticida atrás do fogão e despejou o conteúdo no café.
ÓDIO E INSPIRAÇÃO NAZISTA
As investigações revelaram que Francisco de Assis nutria profundo desprezo pelos filhos e netos de Maria. Ele controlava rigidamente os alimentos da casa, trancando-os em um baú e impondo restrições à família.
Durante buscas, a polícia encontrou documentos que indicam sua obsessão por ideais nazistas. No baú e em uma segunda casa, de acesso exclusivo dele, foram apreendidos livros, incluindo Médicos Malditos, que detalha práticas da SS nazista. Trechos estavam grifados, com anotações sobre métodos letais: "mas para despistar as futuras vítimas, o produto deveria ser eficaz e sem gosto”, descrição que coincide com as propriedades do terbufós.
Segundo o delegado Abimael Silva, Francisco e Maria foram os únicos a mentir e mudar versões ao longo da investigação, sempre tentando incriminar terceiros. “Percebe-se um meticuloso plano e espera inteligente para a prática dos dois primeiros crimes, sendo o intervalo entre os dois crimes mais de 4 meses. Isso revela uma preparação meticulosa e paciente na execução”, comenta o delegado Abimael.
Maria dos Aflitos e Francisco de Assis agora respondem pelas mortes de oito pessoas.